Tadalafila como pré-treino: riscos do uso indevido nas academias

Tadalafila como pré-treino: riscos do uso indevido nas academias

O sucesso que começa nas redes sociais e termina nas farmácias

A tadalafila, originalmente criada para tratar disfunção erétil, tem se tornado protagonista de um novo e arriscado fenômeno nas academias brasileiras. Mencionada em memes, vídeos de humor e até em letras de música, essa substância ganhou um novo status cultural — e, ao mesmo tempo, passou a ser usada fora de suas indicações médicas.

A explosão nas vendas reflete essa nova realidade: dados da Anvisa mostram que as caixas vendidas saltaram de 21,4 milhões em 2020 para 47,2 milhões em 2023. Apenas no primeiro semestre de 2024, foram comercializadas 31,1 milhões de caixas. Se o ritmo se mantiver, o ano fechará com mais de 60 milhões vendidas, um crescimento de quase 200% em apenas quatro anos.

Entre os motivos por trás da popularização, estão duas promessas não comprovadas: o ganho de massa muscular ao usá-la como pré-treino e o aumento da performance sexual. Mas o que há de verdade nisso tudo?

O que é a tadalafila e para que ela realmente serve?

A tadalafila é um inibidor da enzima fosfodiesterase tipo 5 (PDE5). Ela facilita o fluxo sanguíneo ao pênis, promovendo a ereção durante estímulos sexuais. Além da disfunção erétil, o medicamento também é aprovado para o tratamento da hiperplasia prostática benigna e da hipertensão pulmonar.

Diferente do Viagra, que tem efeito de até 4 horas, a tadalafila pode agir por até 36 horas. Também pode ser tomada diariamente em doses menores, o que contribuiu para seu apelo como facilitador da vida sexual.

O mito do pré-treino

Nos últimos anos, ganhou força a ideia de que a tadalafila poderia aumentar o rendimento nos treinos, por favorecer a dilatação dos vasos sanguíneos e melhorar a irrigação muscular. Segundo essa lógica, o aumento do fluxo de sangue traria mais nutrientes e oxigênio para os músculos, ampliando os ganhos de hipertrofia.

Mas especialistas alertam: essa é uma aplicação sem respaldo científico. “Não existe comprovação sobre esse uso. Os estudos são pequenos, com menos de 50 voluntários, e inconclusivos”, explica o urologista Luiz Otávio Torres, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia.

A farmacêutica Amouni Mourad reforça que não há necessidade de remédio para o crescimento muscular. “Os próprios exercícios físicos, bem orientados, já são suficientes para isso”, afirma.

Os riscos do uso indevido

Mesmo sendo considerada segura em ambientes controlados, a tadalafila pode trazer efeitos colaterais e até riscos sérios quando usada sem indicação médica.

Entre os efeitos adversos mais comuns estão:

  • Dor de cabeça
  • Congestão nasal
  • Indigestão
  • Dor nas costas e musculares
  • Rubor facial

Os riscos mais graves incluem:

  • Queda acentuada da pressão arterial (especialmente em quem usa nitratos)
  • Priapismo (ereção prolongada e dolorosa)
  • Eventos cardiovasculares, como infarto e AVC

A bula também alerta para reações incomuns e raras, como falta de ar, visão borrada, reações alérgicas, coceira, inchaço no rosto e, em casos extremos, problemas cardíacos. Muitos desses efeitos ocorrem principalmente em pessoas com fatores de risco preexistentes.

Além do impacto físico, há o risco emocional. “O uso recorrente sem necessidade pode gerar uma dependência psicológica. O indivíduo passa a acreditar que só terá bom desempenho se estiver medicado”, diz Mourad. Esse comportamento reflete um padrão crescente de imediatismo, em que tudo precisa funcionar perfeitamente, o tempo todo.

Um alerta para uma geração impaciente

A popularização da tadalafila fora de suas indicações médicas revela um problema mais profundo: a medicalização da performance, tanto física quanto sexual. Jovens saudáveis estão tomando um medicamento controlado em busca de resultados rápidos, sem considerar as consequências de longo prazo.

Profissionais de saúde são unânimes em afirmar: a tadalafila deve ser usada com prescrição, para casos específicos, após avaliação clínica. Automedicar-se com esse tipo de substância é negligenciar os riscos e tratar o próprio corpo como campo de testes.

Conclusão: resultado duradouro exige responsabilidade

A tadalafila pode ser uma aliada poderosa quando usada corretamente, sob orientação médica. Fora disso, é apenas mais um reflexo de uma cultura imediatista que busca atalhos para conquistas que exigem tempo, esforço e, sobretudo, saúde.

Não se ganha músculos com comprimidos. Nem se resolve inseguranças com medicamentos. O caminho mais seguro — e eficaz — ainda passa pela disciplina, autocuidado e acompanhamento profissional.

Choose your Reaction!