CPI das BETS: O que Influenciadores Digitais Precisam Saber sobre a Investigação que Abala o Mercado de Apostas

CPI das BETS: O Guia Completo para Influenciadores Digitais em 2025

Uma análise aprofundada sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito das apostas esportivas, seus impactos no mercado digital e o que está em jogo para criadores de conteúdo

O mercado de apostas esportivas online, popularmente conhecido como “bets”, explodiu no Brasil nos últimos anos. O que começou como uma tendência internacional rapidamente se transformou em um fenômeno cultural e econômico no país, movimentando bilhões de reais mensalmente e atraindo milhões de brasileiros. Nesse cenário de crescimento acelerado e pouca regulamentação, surgiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das BETS, uma investigação parlamentar que tem colocado o setor sob intenso escrutínio e trazido consequências diretas para influenciadores digitais.

Para quem trabalha com criação de conteúdo e marketing de influência, entender o que está acontecendo com a CPI das BETS não é apenas uma questão de curiosidade, mas de sobrevivência profissional. Afinal, alguns dos maiores nomes do meio digital brasileiro já foram convocados para depor, tiveram suas finanças investigadas e enfrentam questionamentos sobre sua responsabilidade na promoção de apostas online.

Este artigo oferece uma análise aprofundada sobre a CPI das BETS, seus objetivos, personagens envolvidos, impactos no mercado e, principalmente, o que influenciadores digitais precisam saber para navegar com segurança nesse cenário turbulento.

O que é a CPI das BETS e por que ela foi criada

A Comissão Parlamentar de Inquérito das BETS é uma investigação oficial do Senado Federal, instaurada em novembro de 2024, com o objetivo de investigar a crescente influência das apostas online no orçamento das famílias brasileiras, além de possíveis associações com organizações criminosas e o uso de influenciadores digitais na promoção dessas atividades.

Conforme informações oficiais do Senado Federal, a CPI tem prazo de funcionamento de 130 dias, com limite de despesas de R$ 110 mil, e deve encerrar seus trabalhos em 14 de junho de 2025, caso não haja prorrogação. A comissão é presidida pelo senador Dr. Hiran (PP-RR) e tem como relatora a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que foi a autora do requerimento para a criação da CPI.

A motivação para a criação da comissão veio após a divulgação de dados alarmantes pelo Banco Central, que revelaram que, em agosto de 2024, famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram mais de R$ 3 bilhões a plataformas de apostas por meio do Pix, com gasto médio de R$ 100 por pessoa. Esses números acenderam um alerta sobre o impacto social e econômico das apostas, especialmente entre populações vulneráveis.

Além disso, a CPI surge em um momento crítico: o Brasil finalmente implementou, em janeiro de 2025, a regulamentação das apostas esportivas, após um vácuo regulatório de seis anos desde a legalização da atividade em 2018. Durante esse período, o mercado cresceu de forma desordenada, com operadores legítimos e ilegais disputando espaço sem distinção clara para o consumidor.

Contexto e motivações: um mercado bilionário sob suspeita

Para entender a dimensão do fenômeno que a CPI investiga, é importante conhecer alguns números. Segundo estimativas do Banco Central, as mais de 150 casas de apostas autorizadas a funcionar no Brasil movimentam entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões mensalmente desde o início da regulamentação em janeiro de 2025.

Paralelamente, existe um mercado ilegal expressivo. Apenas nos primeiros dois meses de 2025, o Brasil registrou movimentação de aproximadamente R$ 350 milhões em apostas ilegais, com mais de 30 milhões de acessos a sites não autorizados, conforme levantamento divulgado pelo site Aposta Legal.

A pesquisa Raio X do Investidor Brasileiro, realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) em parceria com o Datafolha, revelou outro dado preocupante: cerca de 4 milhões de brasileiros consideram as plataformas de apostas como uma forma de investimento, e não como entretenimento ou jogo de azar. O levantamento mostrou ainda que o número de brasileiros que fizeram pelo menos uma aposta em plataformas online em 2024 chegou a 23 milhões, ou 15% da população.

Esse crescimento acelerado, combinado com a falta de educação financeira e a vulnerabilidade de certos grupos, como menores de idade e beneficiários de programas sociais, criou o cenário perfeito para a intervenção parlamentar através da CPI.

Os principais personagens e casos emblemáticos

A CPI das BETS tem colocado em evidência diversos personagens do cenário político e digital brasileiro. Do lado parlamentar, destacam-se o presidente da comissão, senador Dr. Hiran (PP-RR), e a relatora, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que tem sido uma das vozes mais ativas na convocação de influenciadores e na solicitação de investigações financeiras.

No entanto, são os influenciadores digitais que têm atraído maior atenção midiática. Entre os nomes mais proeminentes convocados para depor estão:

Virginia Fonseca

Com mais de 53 milhões de seguidores no Instagram, Virginia foi uma das primeiras influenciadoras a depor na CPI. Seu nome ganhou destaque após uma reportagem da Revista Piauí de janeiro de 2025 mencionar que seu contrato com a casa de apostas Esportes da Sorte continha uma cláusula conhecida como “cachê da desgraça alheia”: quanto mais pessoas perdiam dinheiro com apostas na plataforma, mais ganhos ela obteria.

Durante seu depoimento, que viralizou nas redes sociais e gerou mais de 105 mil postagens no X (antigo Twitter), Virginia negou a existência dessa cláusula e afirmou que sempre alertou seus seguidores sobre os riscos das apostas. Segundo ela, seu contrato previa faturamento em cima dos lucros obtidos pela casa de apostas com a sua divulgação, e não diretamente sobre as perdas dos apostadores.

A CPI também solicitou a elaboração de um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) sobre Virginia, abrangendo o período de janeiro de 2023 a abril de 2025, para investigar suas relações financeiras com as casas de apostas.

Rico Melquiades

O influenciador Rico Melquiades também está sob investigação da CPI e da Polícia Civil de Alagoas, na operação “Game Over 2”. A comissão solicitou um RIF sobre suas finanças, considerando-o “um dos pontos centrais para a compreensão do papel da publicidade digital na disseminação” de conteúdo relacionado a apostas.

Carlinhos Maia

Com mais de 34 milhões de seguidores no Instagram, Carlinhos Maia foi convocado para depor na CPI para “prestar esclarecimentos sobre sua atuação na divulgação de plataforma de apostas online”. No requerimento de convocação, a relatora Soraya Thronicke destacou a “abrangência de sua influência, especialmente sobre públicos vulneráveis” e a necessidade de “compreender os termos e a natureza dessas relações contratuais, bem como os critérios éticos e legais adotados para a divulgação desses conteúdos”.

Padre Patrick Fernandes

Apresentando uma perspectiva diferente, o Padre Patrick Fernandes, que possui cerca de 7 milhões de seguidores nas redes sociais, também foi ouvido pela CPI. Diferentemente dos outros influenciadores, ele afirmou ter recusado propostas para divulgar empresas de apostas e relatou que recebe em sua igreja famílias preocupadas com o vício em apostas.

Sua participação representa uma visão alternativa às oitivas anteriores, que focaram em influenciadores que efetivamente divulgavam as empresas de apostas. Segundo o presidente da comissão, é fundamental ouvir figuras públicas que expressem a percepção social e moral da população sobre o tema.

Impactos no mercado de apostas: entre a legalidade e a moralidade

A CPI das BETS tem provocado um intenso debate sobre a regulamentação do setor de apostas no Brasil, colocando em evidência a tensão entre legalidade e moralidade. Como destacado em artigo de opinião publicado no Poder360, “a CPI parece se orientar por uma pauta de costumes, onde a convicção pessoal se sobrepõe à legislação vigente e parece pautar a política pública”.

É importante lembrar que as apostas de quota fixa foram legalizadas no Brasil em 2018, por meio da lei 13.756. No entanto, a regulamentação efetiva só começou a vigorar em janeiro de 2025, após seis anos de vácuo regulatório durante os quais o mercado cresceu desordenadamente.

A CPI tem evidenciado algumas contradições nesse processo. Por um lado, critica-se influenciadores por divulgarem empresas que:

  • Exploram uma atividade legalizada
  • Têm autorização do Ministério da Fazenda
  • Pagaram outorga ao governo (R$ 30 milhões)
  • Pagam tributos e taxas
  • Criam empregos no Brasil
  • Se adequam às portarias normativas da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda
  • Estão sujeitas à fiscalização e às punições aplicáveis no Brasil

Por outro lado, a comissão tem chamado atenção para problemas reais, como a ludopatia (vício em jogos), o endividamento de famílias e a existência de um mercado ilegal paralelo que movimenta centenas de milhões de reais.

Um dos aspectos mais preocupantes revelados pela CPI é a atuação dos chamados “cambistas de bets”, intermediários que facilitam apostas para casas ilegais e são uma alternativa para quem é proibido de apostar pelas vias legais, como menores de idade. Segundo reportagem da BBC, esses cambistas usam redes sociais para anunciar seus serviços, atraindo apostadores com promessas de prêmios maiores e bônus proibidos pela legislação.

A investigação também tem destacado a vulnerabilidade de certos grupos. Uma pesquisa do Ministério da Justiça de São Paulo mostrou que 10,5% dos adolescentes entrevistados apostaram no último ano, apesar da proibição legal. Em abril de 2025, o governo anunciou que pretende proibir beneficiários dos programas Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de apostarem em bets.

Implicações para influenciadores digitais: o que está em jogo

Para influenciadores digitais, a CPI das BETS representa um ponto de inflexão na forma como a publicidade de apostas é realizada no Brasil. As investigações e depoimentos têm exposto riscos legais, reputacionais e éticos que não podem ser ignorados por quem trabalha com criação de conteúdo.

Riscos legais e contratuais

A análise de contratos entre influenciadores e casas de apostas tem revelado cláusulas controversas, como o suposto “cachê da desgraça alheia” mencionado no caso de Virginia Fonseca. Mesmo que ela tenha negado a existência dessa cláusula específica, a CPI tem demonstrado interesse em investigar a fundo os termos contratuais que regem essas parcerias.

Além disso, a solicitação de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) para influenciadores como Virginia Fonseca e Rico Melquiades indica que as autoridades estão dispostas a rastrear fluxos financeiros entre criadores de conteúdo e casas de apostas, o que pode levar a questionamentos sobre declaração de renda, pagamento de impostos e outras obrigações fiscais.

Impacto reputacional

O simples fato de ser convocado para depor em uma CPI já representa um risco reputacional significativo para influenciadores. A exposição midiática desses depoimentos – como demonstrado pelo caso de Virginia Fonseca, que gerou mais de 105 mil postagens no X e foi um dos assuntos mais buscados no Google – pode afetar negativamente a imagem pública e, consequentemente, outros contratos publicitários.

A associação com um setor que está sendo investigado por possíveis vínculos com organizações criminosas e por impactos negativos no orçamento familiar de populações vulneráveis pode manchar a reputação de influenciadores, mesmo que eles estejam promovendo empresas legalizadas.

Responsabilidade ética e social

Um dos pontos mais delicados levantados pela CPI é a responsabilidade ética dos influenciadores perante seu público. Ao promover plataformas de apostas, criadores de conteúdo exercem influência sobre decisões financeiras de seus seguidores, muitos dos quais podem ser vulneráveis ou não ter plena compreensão dos riscos envolvidos.

O depoimento do Padre Patrick Fernandes, que relatou receber em sua igreja famílias preocupadas com o vício em apostas, ilustra o impacto social que esse tipo de publicidade pode ter. A CPI tem destacado a importância de uma comunicação responsável, que alerte sobre os riscos e não apresente apostas como forma de investimento ou solução financeira.

Recomendações práticas para influenciadores digitais

Diante desse cenário, influenciadores digitais que trabalham ou pretendem trabalhar com publicidade de apostas precisam adotar algumas medidas preventivas:

  1. Verifique a legalidade da empresa: Antes de fechar qualquer parceria, certifique-se de que a casa de apostas possui autorização do Ministério da Fazenda para operar no Brasil. A lista de empresas autorizadas pode ser consultada no site oficial do governo.
  2. Analise cuidadosamente os contratos: Esteja atento a cláusulas que vinculem sua remuneração ao desempenho da plataforma ou às perdas dos apostadores. Busque assessoria jurídica especializada para revisar os termos antes de assinar.
  3. Seja transparente com seu público: Deixe claro que o conteúdo é publicitário e que apostas envolvem riscos. Mencione explicitamente que menores de 18 anos não podem apostar e que as pessoas devem jogar com responsabilidade.
  4. Inclua alertas de jogo responsável: Utilize as imagens e mensagens recomendadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) em todas as publicações relacionadas a apostas.
  5. Mantenha registros detalhados: Documente todas as comunicações com as casas de apostas, os conteúdos publicados e os valores recebidos. Essa documentação pode ser crucial em caso de questionamentos futuros.
  6. Diversifique parcerias: Evite depender excessivamente de receitas provenientes do setor de apostas, diversificando suas fontes de renda para reduzir riscos.
  7. Acompanhe a evolução da CPI e da regulamentação: Mantenha-se informado sobre os desdobramentos da CPI e possíveis mudanças na legislação que possam afetar sua atuação.

Desdobramentos políticos e sociais: o que esperar para o futuro

A CPI das BETS tem potencial para provocar mudanças significativas no cenário das apostas online no Brasil, com consequências diretas para influenciadores digitais e o marketing de influência como um todo.

No campo legislativo, é possível que surjam propostas para restringir ainda mais a publicidade de apostas, especialmente no ambiente digital. Países como Itália, Espanha e Reino Unido já implementaram restrições severas à publicidade de jogos de azar, e o Brasil pode seguir um caminho semelhante.

No aspecto social, a CPI tem contribuído para aumentar a conscientização sobre os riscos das apostas e a importância do jogo responsável. Isso pode levar a uma mudança na percepção pública sobre o setor e, consequentemente, sobre os influenciadores que o promovem.

Para o marketing de influência, a CPI representa um momento de reflexão sobre limites éticos e responsabilidade social. É provável que marcas e agências passem a ser mais criteriosas na seleção de parcerias, evitando associações que possam gerar controvérsias ou riscos reputacionais.

Conclusão: navegando em águas turbulentas

A CPI das BETS coloca o mercado de apostas e os influenciadores digitais em uma encruzilhada. Por um lado, trata-se de uma atividade legalizada, regulamentada e que gera empregos e receitas para o país. Por outro, há preocupações legítimas sobre seus impactos sociais, especialmente em populações vulneráveis.

Para influenciadores digitais, o momento exige cautela, transparência e responsabilidade. A forma como o setor responderá aos questionamentos da CPI pode definir o futuro da publicidade de apostas no Brasil e, por extensão, uma parte significativa do mercado de marketing de influência.

O debate entre legalidade e moralidade continuará a permear as discussões, mas uma coisa é certa: a era da promoção despreocupada de apostas chegou ao fim. Influenciadores que desejam continuar atuando nesse segmento precisarão adaptar-se a um ambiente mais regulado, escrutinado e consciente dos impactos sociais de sua atividade.

Acompanhar de perto os desdobramentos da CPI, adotar práticas responsáveis de publicidade e diversificar fontes de receita são estratégias essenciais para navegar com segurança nessas águas turbulentas e garantir a sustentabilidade da carreira no longo prazo.

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